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Hoje eu acordei cansada.

Edilamar Galvão
3 min readApr 19, 2021

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Dizer cansada da pandemia seria um truísmo. Dizer cansada deste desgoverno seria um outro truísmo.

Estou ainda mais cansada desse debate oco. Oco e sem eco.

Li de passagem a legenda numa foto por aí nas redes: “Sobreviveremos”.

Não, não sobreviveremos todos. Quase 400 mil já não “sobreviveram”. Muitos mais não “sobreviverão”.

Resultado de um descaso liderado pela “famiglia” que governa este país e que se espalhou por toda a sociedade, em todos os níveis.

Também não vão mais me ler/ouvir criticar a irresponsabilidade geral da nação. Principalmente a dos mais pobres.

O porteiro e os trabalhadores do prédio onde moro me contam que, nos feriados antecipados em São Paulo, diminuíram os ônibus. E, enquanto supostamente alguns se isolavam — em casa ou na praia — eles esperavam passar dois ou três ônibus lotados, ou se aglomeravam de máscara para vir trabalhar.

Num país em que os lares confortáveis — com comida farta, quartos privados e estrutura de clube em seus condomínios fechados — é um luxo para poucos que não consegue conter seus donos em suas propriedades, não sou eu que vou criticar o baile da favela, onde as pessoas se amontoam dentro de suas casas, e, se tiverem “sorte” vão num ônibus lotado para o trabalho. Pois pra muitos nem trabalho há. E também não há rede de proteção. Não há governo. Não há renda mínima. Há um mínimo de gente se esfalfando para conseguir doação de verba para algumas pessoas não passarem fome nos próximos 15 dias. E depois?

Alguém me pergunta: mas não se preocupam com suas famílias, com o coletivo? 1 — Sabe-se lá quais são as relações familiares. 2 — Com o coletivo? Que coletivo? O coletivo que está pouco se lixando para a morte que faz ronda de dia e de noite nas favelas e nas periferias buscando seu alvo por meio de balas perdidas, do fogo cruzado entre bandidos e bandidos, alguns atuando em nome do estado? De um Estado que comparece no fogo cruzado, mas, deixa todo o resto, literalmente, ao “Deus dará”. Nossa sociedade acostumo essas pessoas à roleta russa da morte, mas, agora, temendo lhes faltar vagas nos hospitais, cobra sua responsabilidade. Afinal, as vítimas do fogo cruzado e da truculência policial não ocupa vaga na UTI. Morrem antes de chegar ao hospital.

Não me faz nenhum sentido mais a questão de se “acho certo”, se “concordo” etc. Sinto muito, mas para essas pessoas eu tenho vergonha de dizer qualquer coisa do alto do meu pequeno apartamento provido de tudo o que eu preciso pra viver. Para os que tem condições semelhantes ou -pouco ou muito- melhores que a minha, eu simplesmente não tenho vontade de dizer mais nada. Acho que privilégio de ter mais que o mínimo e, com isso, um suposto acesso à informação e à educação deveria ter sido suficiente.

Nosso velho Marx que esteve sempre certo: a burguesia sempre vai se comportar como a velha aristocracia defendendo seus privilégios. A estratégica mobilidade social não dá conta de mudar as estruturas de dominação. Ela só, espertamente, é usada para justificá-las — a dominação e suas estruturas — como “naturais”.

Não volto a este assunto. Cansei. Mesmo.

Como Candide, vou me limitar a cultivar meu pequeno jardim. Dentro de casa. Não é só a pandemia que não quero encontrar lá fora.

Boa semana. Na medida do impossível. Que é como estamos vivendo. Ou sobrevivendo. Quer dizer, alguns mais do que outros.

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